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Fim da Era da Integração Vertical no Agro: Quando Separar é Multiplicar Valor

A Farmers Business Network (FBN), um dos unicórnios americanos mais disruptivos do agronegócio – avaliada em US$ 4 bilhões em 2021 e tendo captado US$ 978 milhões ao longo de 12 rodadas de investimento – acaba de fazer um movimento que deveria servir de alerta para todo executivo do setor de insumos: separou seu braço de defensivos agrícolas (Global Crop Solutions) para se tornar uma "plataforma tecnológica pura".


Não se trata de um case isolado. Na mesma semana, a Corteva anunciou a separação de sementes e defensivos em duas empresas listadas independentemente – a SpinCo (sementes) com receita estimada de US$ 9,9 bilhões (56% da receita) e a Nova Corteva (defensivos) com US$ 7,8 bilhões (44%). 


O Futuro é de Ecossistemas Especializados


Trabalhando diariamente com empresas de insumos agrícolas, vemos essa tendência como irreversível. A era do conglomerado integrado verticalmente – o modelo "fazemos de tudo para o agricultor" – está dando lugar a ecossistemas de especialistas profundamente conectados.


O produtor rural brasileiro, americano ou europeu não quer mais um fornecedor único que faz tudo mediano. Ele quer:

  • O melhor em genética

  • O melhor em nutrição 

  • O melhor em proteção de cultivos (seja químico ou biológico)

  • A melhor plataforma para comparar, comprar, financiar e gerenciar 


E quer que tudo isso funcione junto de forma integrada – mas não necessariamente sob o mesmo CNPJ ou dentro da mesma empresa. Quando digo “melhor” me refiro a oferta completa que vai além do produto em si (tecnologia, preço, serviço, etc).


A vantagem competitiva tem migrado da escala vertical para a especialização profunda + capacidade de orquestração em ecossistemas abertos.


Pense no que aconteceu em outros setores:

  • Automotivo: Tesla não fabrica baterias, chips ou software embarcado – orquestra o melhor de cada especialista

  • Tecnologia: Apple não fabrica iPhones – coordena Foxconn, TSMC e centenas de fornecedores especializados

  • Varejo: Amazon não produz a maioria do que vende – cria a melhor plataforma de distribuição


Por que no agro seria diferente? Vamos analisar melhor estes movimentos da FBN e Corteva, bem como o da BASF.


O Modelo de Negócios da FBN: Tecnologia Disfarçada de Distribuição


A genialidade da FBN sempre foi simples: criar um marketplace digital que conecta agricultores a insumos, serviços financeiros e ferramentas de decisão. Fundada em 2014 por Amol Deshpande e Charles, hoje são mais de 117.000 fazendas acessando mais de 7.000 produtos – de sementes a ferramentas, de defensivos a crédito.

O diferencial? Transparência de preços, dados agregados da rede e eliminação de intermediários ineficientes. Em 2016, a FBN lançou o FBN Direct, uma plataforma online que agrega dados sobre preços e desempenho de sementes para auxiliar agricultores na gestão de recursos agronômicos. Enquanto o canal tradicional trabalhava com margens opacas e informação assimétrica, a FBN democratizou o acesso.

Mas havia um porém: a empresa também operava toda a cadeia física de defensivos – registros de produtos, sourcing de fornecedores, logística de importação e compliance. Era uma plataforma tech carregando operações de manufatura e distribuição física. Imagine a Amazon decidindo fabricar todos os produtos que vende. Não faz sentido, certo? Era exatamente o nó estratégico que a FBN precisava desatar.


A Separação: Desatar o Nó Estratégico

Com o spin-off, cada empresa pode finalmente perseguir sua vocação sem compromissos:

FBN 

Plataforma digital:

  • Foco total em tecnologia, IA e experiência do cliente

  • Modelo de negócio escalável com margens de marketplace (não de distribuição física)

  • Investimento em ferramentas digitais e democratização do acesso

  • Solução do "problema mais difícil para inovadores no agro: acesso eficiente e de baixo custo na porteira da fazenda" 

  • Capacidade de ser agnóstica em relação a fornecedores, abrindo a plataforma para qualquer player


Global Crop Solutions (ativos físicos especializados):

  • Liberdade para vender seu extenso portfólio de registros – um dos maiores da América do Norte – para qualquer varejista do agro, não apenas através da FBN

  • Foco em sourcing, formulação e compliance regulatório

  • Margem de distribuição de commodities especializadas

  • Crescimento não limitado pelo ecossistema FBN

  • Possibilidade de M&A ou parcerias estratégicas sem complicar a estrutura da plataforma


O CEO Diego Casanello foi cirúrgico ao explicar o racional: "A FBN se destaca no desenvolvimento de tecnologia de ponta que ajuda agricultores a reduzir custos e tomar melhores decisões. Ao digitalizar a distribuição e abrir nossa rede para mais vendedores e parceiros financeiros, estamos resolvendo o acesso ao mercado".


Repare na escolha de palavras: "digitalizar a distribuição" e "abrir nossa rede". Isso não é possível quando você também é um competidor verticalmente integrado. A separação remove o conflito de interesses e permite que a FBN seja verdadeiramente uma plataforma neutra.


Corteva: A Mesma Lógica, Escala Global

A Corteva foi igualmente clara – e igualmente estratégica – na sua decisão. Chuck Magro, CEO, afirmou: "Os mercados de sementes e defensivos evoluíram, e as oportunidades à frente para ambas as empresas estão divergindo".


Mas o que realmente está acontecendo aqui? Traduzindo a linguagem corporativa para a realidade operacional:


Sementes (SpinCo - US$ 9,9 bi):

  • Jogo de biotecnologia avançada e genética de precisão

  • Ciclos de P&D de 10-15 anos com investimentos massivos em traits

  • Margens premium baseadas em propriedade intelectual

  • Integração crescente com agricultura digital e edição genética (CRISPR)

  • Modelo de negócio próximo de "software" – você vende a mesma genética replicada milhões de vezes

  • Valorização de mercado: múltiplos de tech/biotech (15-20x EBITDA)


Defensivos (Nova Corteva - US$ 7,8 bi):

  • Jogo de química de formulação e genéricos pós-patente

  • Ciclos mais curtos, competição por eficiência de produção

  • Margens comprimidas pela commoditização

  • Logística complexa e regulação intensa

  • Modelo de negócio de manufatura química – você compete por custo e escala

  • Valorização de mercado: múltiplos de commodities químicas (8-12x EBITDA)


Biológicos (mantido com defensivos):

  • Jogo de microbiologia, fermentação e formulação viva

  • Ciclos de desenvolvimento intermediários (3-7 anos)

  • Margens ainda em construção, mercado em rápida evolução

  • Regulação menos restritiva que químicos, mais flexível que sementes

  • Modelo de negócio híbrido entre biotech e agroquímicos


São três negócios completamente diferentes operando sob dinâmicas de mercado, ciclos de capital, perfis de talento e modelos de precificação radicalmente distintos. 

Spin-off não é sinônimo de agilidade. Estudos mostram que muitas cisões falham em gerar valor líquido. O motivo? Custos duplicados, estruturas administrativas pesadas e perda de poder de barganha. A Corteva já admite dis-sinergias de US$ 80-100 milhões. Separação ≠ automaticamente mais ágil.


BASF e a Especialização Silenciosa

A BASF, embora não tenha feito spin-offs como a Corteva ou FBN e esteja a caminho do IPO da divisão agrícola, tem reorganizado suas divisões agrícolas com maior autonomia operacional, estruturas de P&D dedicadas e KPIs distintos.


A lógica é a mesma: reconhecer que diferentes negócios dentro do portfólio agrícola precisam de:

  • Governança diferenciada: board com expertise específica

  • Estruturas de incentivo alinhadas: bônus de executivos de biotech não podem ser os mesmos de químicos commodity

  • Liberdade estratégica: decisões de M&A, parcerias, investimentos em P&D


A especialização não precisa necessariamente ser uma separação legal completa. Mas precisa ser uma separação operacional real – não apenas reorganogramas cosméticos.


O que o Fim da Integração Vertical significa para sua empresa de insumos


Se você lidera uma empresa de sementes, defensivos, biológicos ou fertilizantes – especialmente no mercado brasileiro onde ainda predomina o modelo de "linha completa" – precisa fazer três perguntas difíceis:


1. Onde realmente competimos?

  • Na tecnologia/inovação de produto? (então você está no jogo de P&D e IP)

  • Na eficiência de distribuição/logística? (então você está no jogo de operações e escala)

  • No relacionamento com o produtor? (então você está no jogo de dados e serviços)

  • Na plataforma/ecossistema? (então você está no jogo de network effects)


A resposta não pode ser "em tudo". Isso não é estratégia, é wishful thinking.


2. Estamos carregando ativos/operações que diluem nosso foco estratégico?

  • Aquela fábrica de formulação que opera a 60% da capacidade e compete com toll manufacturers mais eficientes?

  • Aquele portfólio de produtos me-too commodity que não agrega margem mas consome capital de giro?

  • Aquela operação de distribuição própria que compete com nossos próprios canais e limita parcerias?

  • Aquele negócio de biológicos enterrado numa estrutura de químicos que não entende ciclos ágeis?


Se a resposta for "sim" para qualquer uma dessas perguntas, você está provavelmente destruindo valor através da perda de foco e capital de giro.


3. Nosso modelo organizacional reflete essas diferenças?

  • Sistemas de remuneração e de gestão da diferentes áreas da empresa que não refletem a estratégia/modelo organizacional?

  • Processos de aprovação únicos para negócios com ciclos completamente diferentes (aprovação de novo trait vs. nova formulação genérica)?

  • Estrutura de custos corporativos alocada uniformemente entre negócios com perfis de margem radicalmente distintos?


Se a resposta for "sim" para qualquer uma dessas perguntas, você está provavelmente destruindo valor através da complexidade.


Armadilhas comuns que destroem valor:

  1. Subestimar custos de transição e dis-sinergias 

    • Custos ocultos: duplicação de estruturas, perda de poder de barganha, turnover de talentos

  2. Criar competição disfuncional entre as entidades 

    • Se não houver clareza de limites, as empresas brigarão por clientes, talentos e recursos

    • Times de vendas confusos sobre para quem trabalham

  3. Perder talentos-chave durante a incerteza 

    • Os melhores profissionais têm opções – e períodos de transição criam ansiedade

    • Pacotes de retenção são caros mas necessários

  4. Destruir valor em ativos compartilhados 

    • Marca: quem fica com o equity de marca? Como evitar confusão no mercado?

    • Rede de distribuição: se for compartilhada, como evitar conflitos?

    • P&D: projetos colaborativos precisam ser finalizados ou abandonados?

  5. Timing ruim de mercado 

    • Qual é o melhor momento para a separação? Um bom planejamento é fundamental não só em momentos de maior contração do mercado consumidor ou financeiro. 


Fazer spin-off em mercado em baixa pode destruir valor - Implicações para o Mercado Brasileiro


O Brasil tem peculiaridades que tornam esse movimento ainda mais relevante:

  1. Dominância de cooperativas e distribuidores regionais fortes 

    • Eles querem escolher o melhor de cada fornecedor, não comprar pacotes fechados

    • Integração vertical limita essa flexibilidade

  2. Produtores cada vez mais sofisticados e exigentes 

    • Grande produtor brasileiro compra direto, compara ofertas, exige customização

    • Não aceita mais "pacotes" impostos pelo fornecedor integrado

  3. Mercado de genéricos e biológicos em explosão 

    • Empresas menores e ágeis estão capturando valor com especialização profunda

    • Gigantes integrados estão lentos para reagir

  4. Falta de capital para competir em todas as frentes 

    • Empresas brasileiras de médio porte não têm escala para investir em tudo

    • Precisam escolher onde competir e onde orquestrar


Conclusão: Não basta dividir, é preciso redesenhar


A FBN, Corteva e BASF não estão fazendo isso por moda ou pressão de ativistas. Estão fazendo porque o custo da complexidade superou o benefício da integração. E porque perceberam que especialização profunda + orquestração de ecossistema vence integração vertical medíocre.


Mas separar sem redesenhar o modelo operacional de cada entidade é trocar seis por meia dúzia. O valor só será criado se:

  • Cada entidade tiver governança apropriada ao seu modelo de negócio

  • As estruturas de custo forem redesenhadas do zero (não apenas rateadas)

  • Os modelos de go-to-market forem repensados (não replicados)

  • A cultura organizacional for reconstruída em torno do novo propósito


A pergunta para sua empresa não é se essa tendência chegará ao mercado brasileiro. A pergunta é: sua empresa estará na frente, liderando a transformação, ou reagindo tardiamente quando o mercado já tiver mudado?


O relógio está correndo: Em 2019, quando a Corteva se separou da DowDuPont, muitos analistas questionaram o movimento. Hoje, a empresa vale mais sozinha do que valia dentro do conglomerado. A FBN está apostando na mesma tese. E provavelmente não será a última. O setor de insumos agrícolas está se desconglomerando – e isso é saudável. Complexidade tem custo. Especialização tem prêmio. Escolha seu lado.


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