Fim da Era da Integração Vertical no Agro: Quando Separar é Multiplicar Valor
- Bizup Strategy

- 20 de out.
- 7 min de leitura
A Farmers Business Network (FBN), um dos unicórnios americanos mais disruptivos do agronegócio – avaliada em US$ 4 bilhões em 2021 e tendo captado US$ 978 milhões ao longo de 12 rodadas de investimento – acaba de fazer um movimento que deveria servir de alerta para todo executivo do setor de insumos: separou seu braço de defensivos agrícolas (Global Crop Solutions) para se tornar uma "plataforma tecnológica pura".
Não se trata de um case isolado. Na mesma semana, a Corteva anunciou a separação de sementes e defensivos em duas empresas listadas independentemente – a SpinCo (sementes) com receita estimada de US$ 9,9 bilhões (56% da receita) e a Nova Corteva (defensivos) com US$ 7,8 bilhões (44%).
O Futuro é de Ecossistemas Especializados
Trabalhando diariamente com empresas de insumos agrícolas, vemos essa tendência como irreversível. A era do conglomerado integrado verticalmente – o modelo "fazemos de tudo para o agricultor" – está dando lugar a ecossistemas de especialistas profundamente conectados.
O produtor rural brasileiro, americano ou europeu não quer mais um fornecedor único que faz tudo mediano. Ele quer:
O melhor em genética
O melhor em nutrição
O melhor em proteção de cultivos (seja químico ou biológico)
A melhor plataforma para comparar, comprar, financiar e gerenciar
E quer que tudo isso funcione junto de forma integrada – mas não necessariamente sob o mesmo CNPJ ou dentro da mesma empresa. Quando digo “melhor” me refiro a oferta completa que vai além do produto em si (tecnologia, preço, serviço, etc).
A vantagem competitiva tem migrado da escala vertical para a especialização profunda + capacidade de orquestração em ecossistemas abertos.
Pense no que aconteceu em outros setores:
Automotivo: Tesla não fabrica baterias, chips ou software embarcado – orquestra o melhor de cada especialista
Tecnologia: Apple não fabrica iPhones – coordena Foxconn, TSMC e centenas de fornecedores especializados
Varejo: Amazon não produz a maioria do que vende – cria a melhor plataforma de distribuição
Por que no agro seria diferente? Vamos analisar melhor estes movimentos da FBN e Corteva, bem como o da BASF.
O Modelo de Negócios da FBN: Tecnologia Disfarçada de Distribuição
A genialidade da FBN sempre foi simples: criar um marketplace digital que conecta agricultores a insumos, serviços financeiros e ferramentas de decisão. Fundada em 2014 por Amol Deshpande e Charles, hoje são mais de 117.000 fazendas acessando mais de 7.000 produtos – de sementes a ferramentas, de defensivos a crédito.
O diferencial? Transparência de preços, dados agregados da rede e eliminação de intermediários ineficientes. Em 2016, a FBN lançou o FBN Direct, uma plataforma online que agrega dados sobre preços e desempenho de sementes para auxiliar agricultores na gestão de recursos agronômicos. Enquanto o canal tradicional trabalhava com margens opacas e informação assimétrica, a FBN democratizou o acesso.
Mas havia um porém: a empresa também operava toda a cadeia física de defensivos – registros de produtos, sourcing de fornecedores, logística de importação e compliance. Era uma plataforma tech carregando operações de manufatura e distribuição física. Imagine a Amazon decidindo fabricar todos os produtos que vende. Não faz sentido, certo? Era exatamente o nó estratégico que a FBN precisava desatar.
A Separação: Desatar o Nó Estratégico
Com o spin-off, cada empresa pode finalmente perseguir sua vocação sem compromissos:
FBN
Plataforma digital:
Foco total em tecnologia, IA e experiência do cliente
Modelo de negócio escalável com margens de marketplace (não de distribuição física)
Investimento em ferramentas digitais e democratização do acesso
Solução do "problema mais difícil para inovadores no agro: acesso eficiente e de baixo custo na porteira da fazenda"
Capacidade de ser agnóstica em relação a fornecedores, abrindo a plataforma para qualquer player
Global Crop Solutions (ativos físicos especializados):
Liberdade para vender seu extenso portfólio de registros – um dos maiores da América do Norte – para qualquer varejista do agro, não apenas através da FBN
Foco em sourcing, formulação e compliance regulatório
Margem de distribuição de commodities especializadas
Crescimento não limitado pelo ecossistema FBN
Possibilidade de M&A ou parcerias estratégicas sem complicar a estrutura da plataforma
O CEO Diego Casanello foi cirúrgico ao explicar o racional: "A FBN se destaca no desenvolvimento de tecnologia de ponta que ajuda agricultores a reduzir custos e tomar melhores decisões. Ao digitalizar a distribuição e abrir nossa rede para mais vendedores e parceiros financeiros, estamos resolvendo o acesso ao mercado".
Repare na escolha de palavras: "digitalizar a distribuição" e "abrir nossa rede". Isso não é possível quando você também é um competidor verticalmente integrado. A separação remove o conflito de interesses e permite que a FBN seja verdadeiramente uma plataforma neutra.
Corteva: A Mesma Lógica, Escala Global
A Corteva foi igualmente clara – e igualmente estratégica – na sua decisão. Chuck Magro, CEO, afirmou: "Os mercados de sementes e defensivos evoluíram, e as oportunidades à frente para ambas as empresas estão divergindo".
Mas o que realmente está acontecendo aqui? Traduzindo a linguagem corporativa para a realidade operacional:
Sementes (SpinCo - US$ 9,9 bi):
Jogo de biotecnologia avançada e genética de precisão
Ciclos de P&D de 10-15 anos com investimentos massivos em traits
Margens premium baseadas em propriedade intelectual
Integração crescente com agricultura digital e edição genética (CRISPR)
Modelo de negócio próximo de "software" – você vende a mesma genética replicada milhões de vezes
Valorização de mercado: múltiplos de tech/biotech (15-20x EBITDA)
Defensivos (Nova Corteva - US$ 7,8 bi):
Jogo de química de formulação e genéricos pós-patente
Ciclos mais curtos, competição por eficiência de produção
Margens comprimidas pela commoditização
Logística complexa e regulação intensa
Modelo de negócio de manufatura química – você compete por custo e escala
Valorização de mercado: múltiplos de commodities químicas (8-12x EBITDA)
Biológicos (mantido com defensivos):
Jogo de microbiologia, fermentação e formulação viva
Ciclos de desenvolvimento intermediários (3-7 anos)
Margens ainda em construção, mercado em rápida evolução
Regulação menos restritiva que químicos, mais flexível que sementes
Modelo de negócio híbrido entre biotech e agroquímicos
São três negócios completamente diferentes operando sob dinâmicas de mercado, ciclos de capital, perfis de talento e modelos de precificação radicalmente distintos.
Spin-off não é sinônimo de agilidade. Estudos mostram que muitas cisões falham em gerar valor líquido. O motivo? Custos duplicados, estruturas administrativas pesadas e perda de poder de barganha. A Corteva já admite dis-sinergias de US$ 80-100 milhões. Separação ≠ automaticamente mais ágil.
BASF e a Especialização Silenciosa
A BASF, embora não tenha feito spin-offs como a Corteva ou FBN e esteja a caminho do IPO da divisão agrícola, tem reorganizado suas divisões agrícolas com maior autonomia operacional, estruturas de P&D dedicadas e KPIs distintos.
A lógica é a mesma: reconhecer que diferentes negócios dentro do portfólio agrícola precisam de:
Governança diferenciada: board com expertise específica
Estruturas de incentivo alinhadas: bônus de executivos de biotech não podem ser os mesmos de químicos commodity
Liberdade estratégica: decisões de M&A, parcerias, investimentos em P&D
A especialização não precisa necessariamente ser uma separação legal completa. Mas precisa ser uma separação operacional real – não apenas reorganogramas cosméticos.
O que o Fim da Integração Vertical significa para sua empresa de insumos
Se você lidera uma empresa de sementes, defensivos, biológicos ou fertilizantes – especialmente no mercado brasileiro onde ainda predomina o modelo de "linha completa" – precisa fazer três perguntas difíceis:
1. Onde realmente competimos?
Na tecnologia/inovação de produto? (então você está no jogo de P&D e IP)
Na eficiência de distribuição/logística? (então você está no jogo de operações e escala)
No relacionamento com o produtor? (então você está no jogo de dados e serviços)
Na plataforma/ecossistema? (então você está no jogo de network effects)
A resposta não pode ser "em tudo". Isso não é estratégia, é wishful thinking.
2. Estamos carregando ativos/operações que diluem nosso foco estratégico?
Aquela fábrica de formulação que opera a 60% da capacidade e compete com toll manufacturers mais eficientes?
Aquele portfólio de produtos me-too commodity que não agrega margem mas consome capital de giro?
Aquela operação de distribuição própria que compete com nossos próprios canais e limita parcerias?
Aquele negócio de biológicos enterrado numa estrutura de químicos que não entende ciclos ágeis?
Se a resposta for "sim" para qualquer uma dessas perguntas, você está provavelmente destruindo valor através da perda de foco e capital de giro.
3. Nosso modelo organizacional reflete essas diferenças?
Sistemas de remuneração e de gestão da diferentes áreas da empresa que não refletem a estratégia/modelo organizacional?
Processos de aprovação únicos para negócios com ciclos completamente diferentes (aprovação de novo trait vs. nova formulação genérica)?
Estrutura de custos corporativos alocada uniformemente entre negócios com perfis de margem radicalmente distintos?
Se a resposta for "sim" para qualquer uma dessas perguntas, você está provavelmente destruindo valor através da complexidade.
Armadilhas comuns que destroem valor:
Subestimar custos de transição e dis-sinergias
Custos ocultos: duplicação de estruturas, perda de poder de barganha, turnover de talentos
Criar competição disfuncional entre as entidades
Se não houver clareza de limites, as empresas brigarão por clientes, talentos e recursos
Times de vendas confusos sobre para quem trabalham
Perder talentos-chave durante a incerteza
Os melhores profissionais têm opções – e períodos de transição criam ansiedade
Pacotes de retenção são caros mas necessários
Destruir valor em ativos compartilhados
Marca: quem fica com o equity de marca? Como evitar confusão no mercado?
Rede de distribuição: se for compartilhada, como evitar conflitos?
P&D: projetos colaborativos precisam ser finalizados ou abandonados?
Timing ruim de mercado
Qual é o melhor momento para a separação? Um bom planejamento é fundamental não só em momentos de maior contração do mercado consumidor ou financeiro.
Fazer spin-off em mercado em baixa pode destruir valor - Implicações para o Mercado Brasileiro
O Brasil tem peculiaridades que tornam esse movimento ainda mais relevante:
Dominância de cooperativas e distribuidores regionais fortes
Eles querem escolher o melhor de cada fornecedor, não comprar pacotes fechados
Integração vertical limita essa flexibilidade
Produtores cada vez mais sofisticados e exigentes
Grande produtor brasileiro compra direto, compara ofertas, exige customização
Não aceita mais "pacotes" impostos pelo fornecedor integrado
Mercado de genéricos e biológicos em explosão
Empresas menores e ágeis estão capturando valor com especialização profunda
Gigantes integrados estão lentos para reagir
Falta de capital para competir em todas as frentes
Empresas brasileiras de médio porte não têm escala para investir em tudo
Precisam escolher onde competir e onde orquestrar
Conclusão: Não basta dividir, é preciso redesenhar
A FBN, Corteva e BASF não estão fazendo isso por moda ou pressão de ativistas. Estão fazendo porque o custo da complexidade superou o benefício da integração. E porque perceberam que especialização profunda + orquestração de ecossistema vence integração vertical medíocre.
Mas separar sem redesenhar o modelo operacional de cada entidade é trocar seis por meia dúzia. O valor só será criado se:
Cada entidade tiver governança apropriada ao seu modelo de negócio
As estruturas de custo forem redesenhadas do zero (não apenas rateadas)
Os modelos de go-to-market forem repensados (não replicados)
A cultura organizacional for reconstruída em torno do novo propósito
A pergunta para sua empresa não é se essa tendência chegará ao mercado brasileiro. A pergunta é: sua empresa estará na frente, liderando a transformação, ou reagindo tardiamente quando o mercado já tiver mudado?
O relógio está correndo: Em 2019, quando a Corteva se separou da DowDuPont, muitos analistas questionaram o movimento. Hoje, a empresa vale mais sozinha do que valia dentro do conglomerado. A FBN está apostando na mesma tese. E provavelmente não será a última. O setor de insumos agrícolas está se desconglomerando – e isso é saudável. Complexidade tem custo. Especialização tem prêmio. Escolha seu lado.








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